Paciência

“O mercado não é uma maquina de acomodação, ele não vai te proporcionar altos retornos só porque você precisa deles.” “Peter Bernstein”

O mercado brasileiro de ações está passando por uma fase muito complexa. Com a recente queda de juros, o mercado ficou bem mais atrativo, houve a abertura de fundos muito grande e foi criada uma nova classe de fundos, os fundos de horizonte de investimento de curtíssimo prazo, com giros diários relevantes nas carteiras e com muitos movimentos baseados no bizú, ou seja, informações que podem movimentar os papéis. Essas informações tem as origens mais variadas possíveis, e podem ter impactos muito distintos no mercado também. É como se o mercado tivesse ficado distorcido com volume de trade fora do normal e reações exacerbadas em relação aos eventos. Nesse contexto gostaríamos de resgatar o brilhante capítulo entitulado “paciência” do excelente livro do Howard Marks chamado “The Most Important Thing”. Esse capítulo pode ser considerado como um antídoto a essa onda curto prazista que tem afetado o mercado brasileiro. Aos investidores brasileiros de horizonte mais longo e capacidade profunda de análise existe um recurso para conseguir não se envolver nessa onda e ganhar muito dinheiro. Esse recurso se chama “paciência”.

Seth Klarman afirma que um dos problemas que os gestores de fundo profissionais enfrentam é a fixação de um objetivo de rentabilidade a ser atingido. Tentar obter retornos agressivos não só não garante que você obtenha esses ganhos, mas também aumenta a probabilidade de ter perdas e se distanciar ainda mais do seu objetivo inicial, ampliando o seu problema.

Muitos investidores com o objetivo de obter resultados altos e rápidos acabam girando excessivamente os portfólios obtendo o resultado oposto ao desejado. Marks sugere que é melhor esperar os investimentos irem até você, do que ficar insistenteme os perseguindo.

Oxímoro

Peter Lynch e Warren Buffett costumam usar o termo oxímoro para descrever gerentes de fundo profissionais, pois na visão deles não podem ser classificados como investidores. Oxímoro tem justamente essa conotação de um paradoxo, ou uma contradição. O gerente de fundo profissional sofre pressões corporativas para apresentar frequentemente boas performances nas mais variadas janelas de tempo. E justamente essa pressão faz com que ele seja limitado na tomada de risco e acabe apresentando resultados medíocres. Toda vez que você abre espaço para ter um resultado muito bom, investindo em ações de menor liquidez ou de empresas menos conhecidas, você também fica suscetível a uma volatilidade de resultados alta e a possibilidade de ter momentos negativos em determinada janela de tempo, mesmo que no horizonte de investimentos mais longos você apresente uma rentabilidade muito boa.

“Lynch observa que a profissão tem uma lei não escrita que afirma que está bem fracassar da forma convencional aceita comumente, mas que você perderá seu emprego se tentar ser não convencional para ter um melhor desempenho e depois fracassar. Aqueles que se preocupam com a segurança do emprego gravitam em direção ao “aceitável”, investimentos seguros, não ousando comprar nenhuma ação fora do comum. Se eles se mantêm dentro da forma convencional de fazer as coisas, por exemplo, só investirem em ações sólidas blue chips que avançaram bem no passado recente, então, se sofrem uma reversão, não serão culpados porque: (a) outros pensadores convencionais (por exemplo, um chefe) não irão condenar a compra de tais empresas “boas e sólidas”, assim como a IBM ou a Procter & Gamble; e (b) porque são apenas um entre os centenas de gerentes a sofrer no movimento de baixa. Sua má decisão está perdida no meio da má decisão do rebanho.

Assim, para a maioria dos gerentes de fundos, é importante não parecer mal se fracassar. Então, quando precisam encarar a escolha de comprar uma empresa desconhecida com uma boa chance de fazer um lucro excepcionalmente grande e a garantia virtual de um pequeno mau desempenho ao comprar uma empresa estabelecida, os incentivos dentro da indústria de gerenciamento de fundos são de tal forma que a maioria dos gerentes selecionaria o segundo:

“Eles não compram o Walmart quando as ações são vendidas a US$ 4 e é uma lojinha insignificante em uma cidadezinha insignificante no Arkansas, mas que logo vai se expandir. Eles compram Walmart quando existe uma loja em toda cidade grande, cinquenta analistas seguem a empresa e o presidente do Walmart aparece na revista People. Nesse momento as ações são vendidas a US$ 40.”

A ação não convencional é possível para investidores privados, mas não acontece naturalmente para gerentes de fundos que sabem que um mau resultado pode arruinar uma carreira – a mediocridade está na ordem do dia.” Os Grandes Investidores. Arnold, Glen.

E no Brasil ainda tem uma complicação a mais, pois as crises econômicas e políticas são muito frequentes. Nesse sentido se você monta uma carteira com ações small caps com alto potencial de valorização e passa por uma das crises frequentes brasileiras você pode sofrer muito na rentabilidade e não ter paciência para esperar a volta ou até mesmo ter de sair da posição por regras de “stop loss”.

Peter Lynch

Peter Lynch é conhecido como um dos gestores de fundo mais bem sucedidos do mundo. “Durante os anos de 1977 a 1990, enquanto gestor do Fidelity Magellan Fund, Lynch conseguiu uma taxa anual de 29,2% transformando um investimento de US$ 1.000, 13 anos depois em US$ 28 mil. Seu fundo teve um desempenho consistente, ganhando do mercado de ações em todos os seus 13 anos, exceto dois. A base de ativos cresceu de US$ 18 milhões para US$ 14 bilhões, tornando-o o maior do mundo e atraindo mais de 1 milhão de acionistas quando ele decidiu sair.” Os Grandes Investidores. Arnold, Glen.

Apesar de ser um profissional relativamente convencional, trabalhando para um dos Assets mais tradicionais americanos que é a Fidelity, Lynch tinha muita personalidade e opiniões pouco convencionais sobre diversos assuntos da área de investimentos.

Dentre essas suas visões muito pessoais e nem sempre alinhadas com o pensamento convencional da área de investimentos está o conceito de que o gestor amador tem condições semelhantes, se não melhores, de competir do que o gestor profissional. Ele acha que os gestores de fundo profissionais tem uma propensão a errar junto com a massa por conseguirem explicar melhor a má performance comparando a sua com a de seus pares que também apresentaram resultados ruins em determinados períodos em função de questões econômicas exógenas do que em adotar posições diferentes da média dos gestores e correr o risco de acertar ou errar sozinho. Keynes já havia identificado essa questão algumas décadas antes quando afirmou uma das frases que são constantemente lembradas: “A sabedoria ensina que é melhor para a reputação fracassar de modo convencional do que ser bem sucedido de forma não convencional.” A pressão sobre um gestor de fundos de casas grandes e conhecidas por resultado é muito grande, ao mesmo tempo que se exige que os fundos não tomem muito risco e sejam conservadores, objetivos muitas vezes antagônicos. Este tipo de raciocínio tira muito a liberdade dos gestores que acabam tendo posições em ações muito semelhantes e apresentando performances que gravitam em torno dos benchmarks. Podemos citar como exemplo aqui no Brasil alguns chefes de Asset inexperientes e com traços de esquizofrenia, que pedem para os gestores baterem a bolsa quando ela performar bem e for positiva, mas por outro lado ganhar do CDI em casos de realização da bolsa. Objetivos claramente conflitantes.

Charlie Munger

O colunista do Wall Street Journal, Jason Weig, fez uma breve descrição dos desafios principais em investir.

“Se fosse fácil ser como Charlie Munger, não existiria apenas um. Se transformar numa máquina de aprender com múltiplos modelos mentais já é um trabalho árduo. Mas mesmo as poucas pessoas que atingirem esse nível evolutivo podem não ser bem sucedidas por não terem o temperamento adequado. Essa é a razão porque Buffett e Munger voltam constantemente ao Graham: Ser um investidor que vai contra a corrente exige uma coragem extrema e uma calma implacável. Buffett fala constantemente sobre a estrutura emocional; Charlie frequentemente diz que muitos investidores, independente do qual inteligentes eles são, não serão bem sucedidos se tiverem o temperamento errado. Jason gosta de usar uma palavra da filosofia grega antiga para descrever essa capacidade: ataraxia ou imperturbabilidade perfeita.”

Munger gosta de dizer que um investidor bem sucedido nunca deixa de ser uma “máquina de aprender”. Por isso é preciso estar constantemente lendo e relendo livros e pensando sobre investimentos. E Munger afirma que ele não conhece nenhum gestor bem sucedido que não seja um leitor voraz. Essa última frase do Munger é muito importante pois tem muito a ver com a criação desse blog. A idéia aqui é estimular as pessoas com análises de livros, expondo idéias e fazendo paralelos com o mercado financeiro brasileiro. A discussão livre de idéias é um caminho fundamental de desenvolvimento. Nesse sentido foi importante começar esse blog com o Munger, talvez um dos investidores mais dedicados à leitura e aos estudos como ferramenta para melhorar a qualidade do processo de investimentos. Estaremos abordando diversos livros, artigos e idéias que possam contribuir para o desenvolvimento do mercado financeiro brasileiro. Iremos passar por diversos investidores, livros e situações que ajudem a entender o complexo mundo do mercado financeiro.

Charlie Munger

“Munger has said he does not know a single successful investor who does not read voraciously.”

Charlie Munger é conhecido como um dos investidores mais bem sucedidos, além de ser uma pessoa muito interessante. Ele ficou bastante conhecido como como o sócio do Warren Buffett. O mais interessante de Munger não é seu sucesso como investidor mas a forma como ele pensa e deixa suas emoções sob controle.

Munger sempre teve um direcionamento muito forte no sentido de pensar independentemente. Na área de investimentos raras pessoas tomam decisões de forma independente. O mercado de equity atualmente no Brasil tem muitas pessoas girando excessivamente seus portfolios buscando ganhos de curto prazo e perdendo a capacidade de raciocínio independente e uma visão de mais longo prazo e estratégica das ações. Nesse sentido, revisitar os ensinamentos do Munger pode ser importante para resgatar alguns conceitos básicos da arte de investir. A aplicação do raciocínio independente permite um maior controle das emoções e a possibilidade de evitar erros psicológicos.

Munger lê vorazmente sobre diversos assuntos e não só sobre o mercado financeiro. Ele sempre gostou de ler biografias pois acreditava que aprender sobre os sucessos e fracassos das pessoas é o jeito mais rápido de ficar mais esperto e sábio sem ter de passar por experiências dolorosas.

Um dos aspectos interessantes da visão de Munger é explicado por uma sentença: “Eu observo o que funciona e o que não funciona e os porquês.” Munger vive as mesmas experiências que todas as pessoas passam, mas o que o diferencia é que ele pensa profundamente sobre o porquê das coisas acontecerem e trabalha forte no sentido de aprender com as experiências.

O sistema de investir utilizando a abordagem de valor desenvolvida por Graham e utilizado por Munger é uma das melhores formas de um investidor outperformar os índices de mercado. Mas apenas aplicar uma série de regras não vai garantir o sucesso pois a implementação de um sistema é uma arte e não uma ciência.

“Warren Buffett likes to say that “investing is simple, but not easy.” Munger’s version of what Buffett said is: “Take a simple idea and take it seriously.”

Artigo baseado no livro: Charlie Munger: the complete investor. Autor: Tren Griffin